O osso é o segundo tecido mais transplantado no ser humano, perdendo apenas para o sangue (transfusões) (1). Várias doenças podem causar a perda de um pedaço grande de osso: infecções (osteomielite), tumores ósseos de vários tipos, fraturas graves provocadas por acidentes de transito ou tiros de fuzil, próteses de joelho ou quadril gastas, malformações congênitas, reumatismos, são algumas delas.
O osso pode ser obtido de três grandes categorias, de acordo com a sua fonte:
Heterólogo: osso de outras espécies animais. No século XVII, um cirurgião chamado Job Van Meekeren tratou uma perda óssea no crânio de um soldado russo com osso retirado de um cachorro. Devido às altas taxas de complicações e aos riscos de transmissão de doenças, hoje não se faz mais este tipo de transplante;
Homólogo: osso de outro ser humano. Retirar osso de uma pessoa viva para colocar em outra causaria muito prejuízo para o doador. Por isso, é feita a retirada de osso de pessoas com morte cerebral que irão doar outros órgãos e tecidos;
Autólogo: osso da própria pessoa. Neste caso, podemos retirar o osso de um lugar onde fará menos falta e coloca-lo em um lugar onde será mais útil. Por exemplo, podemos retirar a fíbula (osso mais fino da canela) e usá-la para reconstruir o fêmur ou o antebraço. Em geral, esse tipo de transplante é o mais realizado, mas acabamos nos referindo a ele na maioria das vezes como enxerto ósseo. Acabamos usando o termo transplante de osso para nos referirmos ao transplante homólogo, ou seja, tirar osso de uma pessoa e colocar em outra.
Veja a seguir as etapas para a realização desta cirurgia:
Doação
Tudo começa com um ato generosidade e de amor ao próximo, de uma família em sofrimento que aceita doar os órgãos de uma pessoa querida que acaba de falecer na unidade de terapia intensiva (UTI). Então é preciso entender que não é qualquer pessoa morta que pode doar o osso. Precisa ser uma pessoa jovem, saudável, sem nenhuma doença infecciosa e que está em morte cerebral numa UTI. O coração continua batendo e o resto do corpo ainda está vivo. São feitos vários exames para descartar doenças contagiosas.
Aqui já temos o primeiro gargalo, porque poucas famílias autorizam a doação de órgãos. Menos ainda a doação dos ossos.
Captação
Uma equipe de ortopedistas com capacitação específica e autorização do Ministério da Saúde é acionada e leva o doador para o centro cirúrgico, onde são removidos os ossos longos das pernas e dos braços. A equipe instala no lugar dos ossos removidos implantes feitos de plástico, para não causar deformidades, fechando a pele para que não possam ser vistos.
Processamento e armazenamento
Ao contrário dos outros órgãos, como rim e coração, que são implantados imediatamente no receptor para que continuem vivos, o osso removido precisa passar por um tratamento para remover todo o sangue e células do doador. Dessa forma, evita-se as reações imunológicas de rejeição. Por isso o paciente que recebe o osso não precisa tomar remédios para baixar a imunidade.
Esse osso é medido, embalado e fica congelado até que haja necessidade de uso em um paciente com as mesmas medidas.
Aqui temos o segundo gargalo. Como a estrutura necessária para armazenar esse osso é muito cara e a burocracia necessária é gigantesca, existem pouquíssimos bancos de tecidos musculoesqueléticos no Brasil. Muitos fecharam as portas nas últimas décadas.
Implantação
Identificado um paciente com necessidade de osso, é feito o contato com o banco de tecidos. Se as medidas forem compatíveis, o osso é transportado congelado até o hospital que fará o implante. A cirurgia precisa ser feita em condições rigorosíssimas de limpeza e assepsia, para evitar infecções. Depois de implantado, o osso está “morto”, sem sangue e sem células. O osso vizinho, do paciente, precisa se unir a ele e a partir daí ocorre um processo chamado “integração”.
O osso é um tecido vivo, em constante remodelação. Osso velho é removido e osso novo depositado diariamente, por um conjunto de células chamado “osteon”. Uma células grande, o osteoclasto, vais na frente retirando o osso velho e um grande numero de células chamadas osteoblastos vão atrás depositando osso novo. Isso ocorre o tempo todo e nem percebemos. Se isto der errado, temos doenças como a osteoporose e as fraturas de estresse.
No processo de integração, os osteons do paciente entram no osso do doador e vão trocando ele por osso novo, vivo e com sangue. No final, após alguns anos, o osso passa a ser povoado por células do próprio paciente. Se isso não acontecer, teremos a fratura ou a infecção daquele osso morto e o paciente perde o transplante.
O Hospital de Clínicas da UNICAMP é referencia em transplante de órgãos, sendo a instituição com maior número de transplantes no interior do estado de São Paulo. No ano de 2016 foram realizados 351 transplantes, um número recorde desde que os transplantes começaram a ser realizados em 1984 na instituição. O HC realiza também o transplante de ossos. Atualmente o Departamento de Ortopedia e Traumatologia conta com uma equipe de médicos cadastrados para realizar o procedimento, mas por enquanto o osso precisa vir de outras instituições, por que ainda não existe um banco de tecidos musculoesqueléticos na instituição.
Referências
https://www.intechopen.com/books/bone-grafting/introduction1
http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/jornal-da-eptv/videos/v/unicamp-realiza-numero-recorde-de-transplantes-em-2016-com-350-cirurgias/5729015/